Homem Quase
Na adolescência a fé quase o levou à vida eclesiástica. Ficou-se pela aceitação de Deus e de Cristo para poder contar com eles nas horas de aflição. Foi treinado para ser comando de combate e quase corporizou o que imaginou ser: um herói de G3 em punho. O império esboroou-se e a revolução livrou-o do stress post-traumático. Mais tarde, a universidade quase o fez cair no desespero post-modernista. E se não caiu foi porque se agarrou à razão como instrumento das «explicações mecânicas, causais e não-contraditórias», tal como gostava de dizer. O curioso, é que quase nunca primou pela clareza racional na comunicação. As suas palavras eram autênticas gretas por onde ressumava o desejo, com pressão suficiente para lhe atrapalhar o sentido habitual das frases.
Um dia, reparando no poder criativo da negação, surpreendeu ao formular o verdadeiro significado da desconstrução do discurso: levar para a cama as mulheres que supostamente o ouviam e o entendiam. Rendera-se, afinal, às delícias da linguagem? Não! É que o sacrifício da pulsão estava mais conforme à sua natureza de herói e de crente. Via as mulheres como virgens intelectuais devotadas ao saber. Quase teve sexo. Não deixou, porém, de ter orgasmo. Se a pulsão não larga as palavras também não larga o corpo. O objecto não foi o corpo feminino, foi uma cadeira. Com isto não inaugurou uma nova parafilia, apenas explodiu em êxtase quando experimentou sentar-se na austera cadeira de uma presidência qualquer. O embaraço da mancha de esperma na braguilha não o incomodou, porque uma certeza, finalmente, alumiava a sua mente: fazer carreira política. Filiou-se, envolveu-se, promoveu-se, combateu, manobrou, quase convenceu. O máximo alcançado foi um segundo lugar numa lista de candidatos. Sempre gostou de aproximar-se dos vencedores justificando-se com as felicitações e com o desejo de colaborar para o bem comum. A sinecura nunca o tentou, a cadeira sempre. Jamais lhe sairá da cabeça. Conduzir o destino colectivo de uma nação terá sido um sonho, megalómano é certo, mas um sonho. Estar à frente de uma modesta colectividade, ainda é um objectivo possível. O problema é que hesita entre a participação democrática e a eficácia do líder esclarecido. Quase faz lembrar o dr. Strangelove cujo braço se ergue involuntariamente a saudar o líder amado.
Exprime uma estranha expectativa após a morte: irá passar um tempo no Inferno a padecer do suplício de estar esfomeado no meio de cachos de bananas que desaparecem quando os pretende trincar. A banana é a fruta que em vida mais aprecia. Ora, um psicanalista de enlatado veria na banana um símbolo fálico e, com mais uma ou outra associação, afirmaria tratar-se de uma auto-punição temporária por nunca ter assumido a virilidade de homem decidido. Quiçá, ele queira dizer que possui um sentido de humor negro que nunca teve audiência em vida, mas tê-la-á no Inferno e, sobretudo, no Céu. Ou quase isso.
Je - É fácil escorregar nas interpretações.
Moi - É bom escorregar nas interpretações.
Um dia, reparando no poder criativo da negação, surpreendeu ao formular o verdadeiro significado da desconstrução do discurso: levar para a cama as mulheres que supostamente o ouviam e o entendiam. Rendera-se, afinal, às delícias da linguagem? Não! É que o sacrifício da pulsão estava mais conforme à sua natureza de herói e de crente. Via as mulheres como virgens intelectuais devotadas ao saber. Quase teve sexo. Não deixou, porém, de ter orgasmo. Se a pulsão não larga as palavras também não larga o corpo. O objecto não foi o corpo feminino, foi uma cadeira. Com isto não inaugurou uma nova parafilia, apenas explodiu em êxtase quando experimentou sentar-se na austera cadeira de uma presidência qualquer. O embaraço da mancha de esperma na braguilha não o incomodou, porque uma certeza, finalmente, alumiava a sua mente: fazer carreira política. Filiou-se, envolveu-se, promoveu-se, combateu, manobrou, quase convenceu. O máximo alcançado foi um segundo lugar numa lista de candidatos. Sempre gostou de aproximar-se dos vencedores justificando-se com as felicitações e com o desejo de colaborar para o bem comum. A sinecura nunca o tentou, a cadeira sempre. Jamais lhe sairá da cabeça. Conduzir o destino colectivo de uma nação terá sido um sonho, megalómano é certo, mas um sonho. Estar à frente de uma modesta colectividade, ainda é um objectivo possível. O problema é que hesita entre a participação democrática e a eficácia do líder esclarecido. Quase faz lembrar o dr. Strangelove cujo braço se ergue involuntariamente a saudar o líder amado.
Exprime uma estranha expectativa após a morte: irá passar um tempo no Inferno a padecer do suplício de estar esfomeado no meio de cachos de bananas que desaparecem quando os pretende trincar. A banana é a fruta que em vida mais aprecia. Ora, um psicanalista de enlatado veria na banana um símbolo fálico e, com mais uma ou outra associação, afirmaria tratar-se de uma auto-punição temporária por nunca ter assumido a virilidade de homem decidido. Quiçá, ele queira dizer que possui um sentido de humor negro que nunca teve audiência em vida, mas tê-la-á no Inferno e, sobretudo, no Céu. Ou quase isso.
Je - É fácil escorregar nas interpretações.
Moi - É bom escorregar nas interpretações.
2 Comments:
Fantástico.
gostei de ler-te
jocas maradas
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