!DOCTYPE html PUBLIC "-//W3C//DTD XHTML 1.0 Strict//EN" "http://www.w3.org/TR/xhtml1/DTD/xhtml1-strict.dtd"> nese-nese: Um post por 2 euros

2.23.2004

Um post por 2 euros

A rua, sobretudo a da cidade, permite, como é sabido, encontros inesperados que são os que tocam forte na nossa fragilidade. Quando, por motivos profissionais, encontro e falo com uma pessoa minha conhecida, uma mulher, aparece um homem de leste. De início parecia-me buscar uma informação, mas a reacção da mulher confirma-me tratar-se de um pedinte dado que lhe nega a esmola solicitada: 50 cêntimos para medicamentos. Estes são para a filha, de nome Daniela, que tem cancro. É o que informa o papel plastificado que, entretanto, apresentou aos meus olhos. «Faltam apenas 50 cêntimos» suplica o homem num português razoável. A pessoa minha conhecida adverte-me para o "golpe". Eu sinto que estamos perante um já conhecido. A dúvida, porém, instalou-se no meu espírito. Meto a mão ao bolso e saem-me 2 euros. Dou-os e digo "Que se lixe". O homem desapareceu; certamente à procura de outro parvo aplicado no entendimento da alma humana. Despeço-me da pessoa conhecida e começo a ruminar com a minha dúvida: Seria um profissional pedinte? Teria a Daniela um cancro? Teria já morrido e o pai pedia para matar o vício da bebida? Choraria Daniela ali perto, doente, longe da casa, apenas com o pai desesperado para lhe providenciar o alívio da dor? Estaria a Daniela guardando, sorridente, as moedas conseguidas com os golpes? Estaria o homem feito com outro comparsa que no passeio oposto terá lançado golpe semelhante? Teria o homem juntado quantia suficiente para se divertir num jantar de carnaval bem regado, nem que a cerveja? Porque não me agarrei à certeza de tratar-se de um golpe? Porque resvalei para a compaixão?
Agora, passadas algumas horas, sei: foi para escrever este post.