Verdade simples (?)
«Olhe, é verdade que você pertence a uma quadrilha?» perguntou a jornalista da RTP.
«Por acaso até pertenço!» responde pronta, pausada, genuina e orgulhosamente o jovem entrevistado.
Jamais esqueci este diálogo que passou em um dos telejornais da hora do meio-dia, há uns anitos. O jovem vivia numa localidade a norte cujos habitantes o acusavam de assaltos constantes. A inequívoca assunção de um estilo de vida em frente das câmaras para todo o país mereceu, e merece, o meu aplauso. A peça jornalística procurou subentender que o jovem era retardado, mas é bem sabido como um rótulo serve para esconder a ignorância de quem o utiliza. Não, este jovem apontou a verdade como o caminho a seguir. Não foi o primeiro a fazê-lo, mas foi um dos raros a aplicá-lo. E a verdade não é a relativa. Esta é a de quem nega o grave dano cometido, mesmo se foi à vista de todos. Não, é a verdade simples. É a verdade que se socorre de palavras e frases que todos entendem, mesmo se falam línguas diferentes. Se o exemplo deste jovem tivesse sido devidamente aproveitado, hoje teríamos com alguma facilidade confissões que muito poupariam aos contribuintes e muito facilitariam a vida aos juízes (embora menos a certos advogados), e muito contribuiriam para aprimorar a qualidade dos políticos que nos governam. Se um acusado de pedofilia declarasse «Não me gabo por isso, mas efectivamente abusei de muita criança. Lamento, é a minha natureza, submeto-me à justiça» quanto ódio e sofrimento evitaria. Se um outrora executivo da petrogal hoje ministro afirmasse «Não há a mais ligeira dúvida que tenho responsabilidade pela não implementação de uma cultura de segurança rigorosa, e não me resta senão pôr-me a mexer do cargo actual que ocupo» não seria lá uma frase muito estética porque demasiado longa e porque o "pôr-me a mexer" ficaria mal, mas seria um acto de grande responsabilidade e dignidade políticas. Mais, todos os governados sentir-se-iam seguros de que o estado ficaria abrigado da suspeita de desmazelo e de corrupção e, ainda mais importante, confiariam que as obras públicas não mexeriam e por isso não cairiam, nomeadamente as pontes.
Bem, de facto, só um retardado, e bastante, assume a culpa e diz a verdade. Talvez o mundo seja melhor assim. Pelos menos temos boas histórias, com crime, polícia e mistério. Haja quem as escreva ou quem as filme.
«Por acaso até pertenço!» responde pronta, pausada, genuina e orgulhosamente o jovem entrevistado.
Jamais esqueci este diálogo que passou em um dos telejornais da hora do meio-dia, há uns anitos. O jovem vivia numa localidade a norte cujos habitantes o acusavam de assaltos constantes. A inequívoca assunção de um estilo de vida em frente das câmaras para todo o país mereceu, e merece, o meu aplauso. A peça jornalística procurou subentender que o jovem era retardado, mas é bem sabido como um rótulo serve para esconder a ignorância de quem o utiliza. Não, este jovem apontou a verdade como o caminho a seguir. Não foi o primeiro a fazê-lo, mas foi um dos raros a aplicá-lo. E a verdade não é a relativa. Esta é a de quem nega o grave dano cometido, mesmo se foi à vista de todos. Não, é a verdade simples. É a verdade que se socorre de palavras e frases que todos entendem, mesmo se falam línguas diferentes. Se o exemplo deste jovem tivesse sido devidamente aproveitado, hoje teríamos com alguma facilidade confissões que muito poupariam aos contribuintes e muito facilitariam a vida aos juízes (embora menos a certos advogados), e muito contribuiriam para aprimorar a qualidade dos políticos que nos governam. Se um acusado de pedofilia declarasse «Não me gabo por isso, mas efectivamente abusei de muita criança. Lamento, é a minha natureza, submeto-me à justiça» quanto ódio e sofrimento evitaria. Se um outrora executivo da petrogal hoje ministro afirmasse «Não há a mais ligeira dúvida que tenho responsabilidade pela não implementação de uma cultura de segurança rigorosa, e não me resta senão pôr-me a mexer do cargo actual que ocupo» não seria lá uma frase muito estética porque demasiado longa e porque o "pôr-me a mexer" ficaria mal, mas seria um acto de grande responsabilidade e dignidade políticas. Mais, todos os governados sentir-se-iam seguros de que o estado ficaria abrigado da suspeita de desmazelo e de corrupção e, ainda mais importante, confiariam que as obras públicas não mexeriam e por isso não cairiam, nomeadamente as pontes.
Bem, de facto, só um retardado, e bastante, assume a culpa e diz a verdade. Talvez o mundo seja melhor assim. Pelos menos temos boas histórias, com crime, polícia e mistério. Haja quem as escreva ou quem as filme.
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home