Outras Significações do Anonimato
Este texto apresenta o anonimato na blogosfera como défice de cidadania que, por sua vez, resulta do medo de expressar a opinião. Ora, eu digo que é prudente manter o anonimato sempre que haja a mais leve ameaça de retaliação por quem tem poder para tal! Alguém vai afixar que o seu superior hierárquico diz hades (e desconhece Caronte) quando queria dizer hás-de? Nem precisaria de proclamar que é ventripotente, careca e feio para sofrer a vingança. Mais vale, pois, em caso de identificação do blogueiro, louvar desmesuradamente o seu superior hierárquico até ao ponto do embaraço com tamanha adulação. Manter o anonimato é uma atitude de protecção da identidade - sobretudo aquela que está registada e tem números rapidamente digitáveis.
Mas, não seria melhor, em nome da cidadania, o blogueiro identificar-se? Sim, caso se pretenda ter uma influência positiva no processo de esclarecimento das consciências de quem o lê, e que é uma forma de fazer, post a post, comentário a comentário, a cidadania e a participação democrática, eivada de discussões racionais onde há abertura à diferença e mesmo integração, no ponto de vista próprio, de elementos contrastantes contidos nos pensamentos dos interlocutores!» (Ufa!, que frase enorme! É típica de racionalista ingénuo que aceita o diálogo socrático sem a menor crítica!)
De facto, algum anonimato protege as pessoas que, compreensivelmente, receiam os poderosos e incapazes de aceitar uma crítica: a esmagadora maioria dos políticos, a esmagadora maioria dos responsáveis (máximos, intermédios e inferiores) pelas instituições públicas e privadas.
Não creio, porém, ser esse o motivo do anonimato na blogosfera. São possíveis outras significações que não estão alicerçadas no medo, e que não são racionalizações porque não camuflam qualquer perversidade. Vejamos:
• Genuína crença na morte do autor - parece-me improvável que haja um blogue anónimo devido à crença na impossibilidade de uma produção criativa dos textos; nem mesmo nos blogues onde Foucault é mestre. Mas, como possibilidade teórica, pode ser que alguém mantenha o anonimato porque não aceita a existência de um sujeito autor de si e dos textos que afixa. Haveria neste caso uma profunda coerência.
• Construção de eus possíveis - Aqui, o blogueiro anda a experimentar-se, libertando-se provisoriamente do que na vida "lá fora" é, e assumindo várias identidades. O blogue até pode servir efeitos terapêuticos. E conquanto que o blogueiro mantenha a consciência de si, não corre o risco do famoso distúrbio de personalidade múltipla.
• Gozo do anonimato - O blogueiro procura o gozo de lançar uma picardia, uma confusão, uma discussão, um comentário, seja a quem desconhece e a quem conhece, para, no fim, identificar-se: - Fui eu! Ou, talvez, jamais identificar-se porque o blogue é o seu oásis onde até pode barrar todas as discussões e críticas que são comuns no seu quotidiano e as quais enfrenta sem receio.
• Evitação das relações de Poder - O anonimato serve a liberdade, tal como no acto de cidadania que é votar. Identificar-se na blogosfera também pode ser visto como meio de manter a hierarquia, como meio de satisfazer a pulsão voyeurista que valida um enunciado apenas quando se conhece quem o expressou. Ora, o blogueiro anónimo e amante da liberdade só tem o interesse no que se diz e como se diz. A qualidade ou a criatividade do enunciado reconhece-se pelo gosto e pelo saber, não pela submissão às vozes autorizadas.
Em suma, há mais significações no anonimato (e, claro, na identificação) do que aquelas que definitiva e linearmente tecemos.
Mas, não seria melhor, em nome da cidadania, o blogueiro identificar-se? Sim, caso se pretenda ter uma influência positiva no processo de esclarecimento das consciências de quem o lê, e que é uma forma de fazer, post a post, comentário a comentário, a cidadania e a participação democrática, eivada de discussões racionais onde há abertura à diferença e mesmo integração, no ponto de vista próprio, de elementos contrastantes contidos nos pensamentos dos interlocutores!» (Ufa!, que frase enorme! É típica de racionalista ingénuo que aceita o diálogo socrático sem a menor crítica!)
De facto, algum anonimato protege as pessoas que, compreensivelmente, receiam os poderosos e incapazes de aceitar uma crítica: a esmagadora maioria dos políticos, a esmagadora maioria dos responsáveis (máximos, intermédios e inferiores) pelas instituições públicas e privadas.
Não creio, porém, ser esse o motivo do anonimato na blogosfera. São possíveis outras significações que não estão alicerçadas no medo, e que não são racionalizações porque não camuflam qualquer perversidade. Vejamos:
• Genuína crença na morte do autor - parece-me improvável que haja um blogue anónimo devido à crença na impossibilidade de uma produção criativa dos textos; nem mesmo nos blogues onde Foucault é mestre. Mas, como possibilidade teórica, pode ser que alguém mantenha o anonimato porque não aceita a existência de um sujeito autor de si e dos textos que afixa. Haveria neste caso uma profunda coerência.
• Construção de eus possíveis - Aqui, o blogueiro anda a experimentar-se, libertando-se provisoriamente do que na vida "lá fora" é, e assumindo várias identidades. O blogue até pode servir efeitos terapêuticos. E conquanto que o blogueiro mantenha a consciência de si, não corre o risco do famoso distúrbio de personalidade múltipla.
• Gozo do anonimato - O blogueiro procura o gozo de lançar uma picardia, uma confusão, uma discussão, um comentário, seja a quem desconhece e a quem conhece, para, no fim, identificar-se: - Fui eu! Ou, talvez, jamais identificar-se porque o blogue é o seu oásis onde até pode barrar todas as discussões e críticas que são comuns no seu quotidiano e as quais enfrenta sem receio.
• Evitação das relações de Poder - O anonimato serve a liberdade, tal como no acto de cidadania que é votar. Identificar-se na blogosfera também pode ser visto como meio de manter a hierarquia, como meio de satisfazer a pulsão voyeurista que valida um enunciado apenas quando se conhece quem o expressou. Ora, o blogueiro anónimo e amante da liberdade só tem o interesse no que se diz e como se diz. A qualidade ou a criatividade do enunciado reconhece-se pelo gosto e pelo saber, não pela submissão às vozes autorizadas.
Em suma, há mais significações no anonimato (e, claro, na identificação) do que aquelas que definitiva e linearmente tecemos.
3 Comments:
Disseste muito, talvez tudo.
Brilhante post! Parabéns.
SP,
"Talvez" é a palavra-chave do teu comentário. Há sempre algo mais a dizer. (Nunca te disse, mas eras um rapazito bem pimpão!)
Bastet,
Os teus parabéns ajudam a continuar esta aventura blogueira!
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