!DOCTYPE html PUBLIC "-//W3C//DTD XHTML 1.0 Strict//EN" "http://www.w3.org/TR/xhtml1/DTD/xhtml1-strict.dtd"> nese-nese: O meu 25 de Abril

4.25.2006

O meu 25 de Abril

«Hoje não vais para o liceu» disse-me a minha avó materna. O liceu a que se referia era o Alexandre Herculano, no Porto, onde eu frequentava o terceiro ano, correspondente ao sétimo actual. «Passa-se qualquer coisa», justificou. Esse qualquer coisa espicaçou-me a curiosidade e saí à rua durante algum tempo. Recorda-me ter ouvido um tiro e ver gente a fugir do local onde se situava o quartel-general da PSP. Dias mais tarde, perto do Herculano, ali na rua do Heroísmo, uma multidão vandalizava um carro. Eu perguntava-me porquê. Mais tarde percebi. Era o carro de um agente da Pide, cuja sede ficava naquela rua. Surpresa e estranheza foi, talvez, como recebi todos estes acontecimentos.
Entretanto, a passagem do tempo traz-me algo que, até então, nem sequer imaginava existir: consciência política. Proliferavam os textos ideológicos, organizavam-se campanhas de dinamização, surgiam os partidos políticos com as respectivas declarações de princípios e sessões de esclarecimentos. A realidade impunha-me, como a todos os portugueses, uma opção. E eu, tal como todos, optei. Era um pré-adolescente. Dei-me ao trabalho de ler as declarações de princípios dos partidos (i.e, P.C.P., PS, PPD/PSD, CDS, MRPP). Concluí que a democracia era o caminho e não qualquer tipo de sociedade em particular: comunista, socialista e até mesmo social-democrata. Recusei a "colectivização dos principais meios de produção", "a ditadura do proletariado", "a revolução mundial" e a "revolução cultural". Bastava-me a liberdade, a democracia e a justiça social. Cri tê-las encontrado na declaração de princípios do CDS. Foi essa a minha opção. Achava que a «política de salários e rendimentos mínimos», a «elevada justiça fiscal» e os «sistemas de de segurança social, saúde, habitação e transportes» promoveriam a justiça social numa sociedade de liberdade política, económica e cultural. Esta opção teve custos. O que mais doía era a propaganda de certa esquerda que conotava o CDS com reaccionarismo, e até com fascismo. Sentia aquelas conotações como profundamente injustas. Eu era apenas um simples simpatizante. Mas o debate fervilhava e eu jamais o receei, mesmo quando a integridade física estava ameaçada. Foram tempos intensos. Muitas vezes, os que falavam depressa em democracia procuravam embargar, silenciar, e demonstravam real incapacidade em ouvir e debater racionalmente. Muitas vezes, também, o debate era profusa e nobremente referenciado. Observava-se, com facilidade, o conhecimento e a cultura generalizados nas pessoas, não obstante situarem-se nos antípodas ideológicos.
Hoje, afastei-me de uma opção que cheguei a apelidar de puramente racional. Com o tempo, talvez me aproximasse mais de uma certa esquerda, tal como vários revolucionários, aburguesando-se com os anos, fazem o contrário e se aproximam do centro-direita; como aquele marxista a quem, um dia, confrontei «Um marxista a jogar na bolsa, rendido ao bastião do capitalismo?!» A sua resposta foi claríssima: «Oh, oh oh, olha-me agora este...» Enfim, delícias do lucro..
Hoje vive-se melhor do que antes de 25 de Abril. Só quem não conheceu as graves dificuldades das pessoas é que poderá sustentar o contrário. Por isso, há que dizer que a partir do 25 de Abril foi possível uma nova sociedade, uma sociedade democrática e livre - aliás, Portugal deve ser ainda um dos países mais livres do mundo -; uma consciência e cultura política generalizadas; um poder local que até melhorou a vida das pessoas; e, sobretudo, terminou com o espectro da guerra colonial com que uma geração - de que faço parte - foi educada. «Tum tum tum que eu vou para Angola» lia-se num livro do ensino primário por onde estudei. E quando um golpe militar se transforma em festa genuína do povo, Portugal é bem melhor do que alguns dizem. Viva Portugal!

2 Comments:

Blogger Santos Passos said...

Viva!
(beleza de texto)
Abração

27/4/06  
Blogger Su said...

belo texto

não tenho duvidas que estás coberto de razão e que tudo o que dizes/escreves é coerente/logico/verdadeiro
mas ainda há tanta coisa que está por fazer, tantos valores ficaram pelo caminho, a acomodação tomou conta de muita gente, o dinheiro tomou conta do resto...enfimmm
r.evolução precisa.se:))))
gostei de ler.te

29/4/06  

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