Um vago perfume
Li este ano O Perfume, romance da autoria de Patrick Süskind. Pela minha parte foi uma leitura tardia porque li a 21ª edição na nossa língua. O Perfume consegue com as palavras recordar-nos que o mundo tem uma imensidão de experiências olfactivas que ignorámos – umas, felizmente, devido ao nosso grau de civilização ocidental – e uma alma humana mais insondável do que qualquer oceano. O que me desagradou foi o autor colocar a personagem Grenouille como um ser angelical que consegue furtar-se ao cadafalso – ah, quem me dera ser o algoz justiceiro deste energúmeno!! Colocar-lhe a corda ao pescoço e com toda a firmeza grudar as minhas mãos na alavanca do alçapão! Em tempos, um verdugo escreveu, nas suas memórias, a seguinte frase: um homem útil à sociedade é um cavalheiro. Podem crer, não sentiria pena, mas um gozo infinito por poder, legitimamente, matar Grenouille. Fá-lo-ia enquanto autor. Descreveria a ansiedade de desempenho do carrasco. Sim, por debaixo das vestes negras há um ser humano, cujo coração também pulsa forte no cadafalso. O executor da pena de morte também teme o desfecho porque pode, por acaso, não conseguir ceifar a vida que a sociedade lhe entregou. Mais: a antevisão do gozo de matar pode ser tão forte que perturbe o seu desempenho. Quem pode liminarmente negar a existência do orgasmo no carrasco? O capuz não serve apenas para proteger a sua identidade, serve, também, para negar o gozo que condenamos no réu e o levou ao assassínio. Sem cara, não há gozo. O capuz do carrasco acovilha o que a pena de morte procura esconjurar: o terror.
Ora, a ideia da última manipulação, por via odorífera, orquestrada e executada por Grennouille e com a qual leva a chusma à libertinagem orgiástica generalizada seria fabulosa se a seguir o carrasco cumprisse o seu dever. Süskind permite que o condenado saia pelo seu pé do cimo do cadafalso, com o perdão legal e com o perdão do pai da sua última vítima. Deste modo, o autor desumaniza a narrativa. É certo que mais tarde o autor executa a personagem, mas a forma como fez – canibalismo cometido por um grupo de mendigos famintos – poupou-lhe um percurso para o qual o romance nunca esteve inclinado. A personagem vivia do seu nariz, não das tortuosidades da sua alma.
Em todo o caso li com prazer. Não tem a “gordura textual” que aparece em romances considerados históricos.
Ora, a ideia da última manipulação, por via odorífera, orquestrada e executada por Grennouille e com a qual leva a chusma à libertinagem orgiástica generalizada seria fabulosa se a seguir o carrasco cumprisse o seu dever. Süskind permite que o condenado saia pelo seu pé do cimo do cadafalso, com o perdão legal e com o perdão do pai da sua última vítima. Deste modo, o autor desumaniza a narrativa. É certo que mais tarde o autor executa a personagem, mas a forma como fez – canibalismo cometido por um grupo de mendigos famintos – poupou-lhe um percurso para o qual o romance nunca esteve inclinado. A personagem vivia do seu nariz, não das tortuosidades da sua alma.
Em todo o caso li com prazer. Não tem a “gordura textual” que aparece em romances considerados históricos.
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