Rigor balofo
No PÚBLICO de 27 de Abril, foi abordado o problema da melhoria do ensino da Matemática. Ao lado, pediram, através de três perguntas, a opinião a Fátima Bonifácio que é historiadora e professora universitária. De acordo com a professora (ela refere-se ao ensino em geral e não particularmente ao da Matemática ou ao das Ciências Naturais) a solução para melhorar o ensino é o trabalho e os exames como «antídoto contra a preguiça e o facilitismo». Admite que os exames poderiam ser dispensáveis no fim do ensino secundário e antes da entrada no ensino superior, caso houvesse forte responsabilização dos professores e dos alunos «dominados por uma cultura de rigor exigência» e caso houvesse estabilidade do corpo docente que garantisse o bom conhecimento dos colegas e dos alunos. Por outro lado, as teorias pedagógicas que sublinham os aspectos de ordem afectivo-emocional (e.g., atitudes) dos alunos seriam o entrave a tal solução. Esta condensar-se-ia nas palavras-chave: Responsabilidade, Rigor, Exigência, Trabalho e Exames. A professora ainda afirmou que «Quando os alunos chegam à Universidade, não chegam apenas ignorantes, chegam sem nenhuma espécie de hábitos de trabalho.»
Concordo que é necessário tudo quanto aquelas palavras significam conquanto que haja respostas substantivas a questões como:
Onde esteve o êxito generalizado na aprendizagem com a solução dos exames e que antes do 25 de Abril era praticada?
Qual foi a ciência empírica que se organizou sem a conjunção da reflexão crítica e da observação? Daqui decorre perguntar onde esteve e onde está um investimento credível em materiais que permitam o ensino das ciências aos alunos levando-os a cultivar o gosto pela crítica e pela experimentação?
Onde esteve e onde está a formação de professores para um ensino activo e não apenas discursivo, mais propício, à confusão, à perplexidade, à irrelevância conceptual e à transmissão e menos à dúvida (enquanto incerteza entre um número limitado de proposições que se conhecem) à contradição e à exploração?
Poderá o sistema de ensino ignorar a realidade afectivo-emocional que resulta do facto de se conseguir ou não ter êxito académico?
Este tipo de questões é necessário quando se procura compreender a aprendizagem e a sua relação com o ensino. Algumas teorias pedagógicas podem estar erradas, mas uma académica tem a responsabilidade intelectual de as identificar e de as criticar e não apenas rasurá-las com um estalar de dedos. É como se alguém afirmasse a inutilidade da História devido à sua impossibilidade de previsão dos eventos futuros.
O que temos sempre tido é precisamente um ensino mais ou menos preocupado com a excelência nos exames e não com a excelência na compreensão, na dedução, na abstracção das relações possíveis e não apenas das observáveis. A professora ainda esboçou um cenário sem exames, mas, ao condicioná-lo apenas à responsabilização dos alunos e professores e às condições de estabilidade do corpo docente, não explora a dispensabilidade dos exames em virtude de que o êxito no exame não ser necessariamente equivalente a êxito na compreensão.
Por outro lado, creio que os alunos universitários são capazes de pensar e trabalhar. Se a professora tem uma maioria de alunos preguiçosos e sem hábitos de reflexão e trabalho, então tem pela frente o desafio de como ensiná-los a tal. Claro que é mais fácil atribuir externamente a responsabilidade pelos erros e fracassos culpabilizando o ensino secundário. Mas o secundário pode fazer o mesmo, culpabilizando os ciclos anteriores. Estes podem culpabilizar a família. Esta, por sua vez, pode defender-se com a fatalidade do “gene da preguiça”. E quem fez os genes? Bom, para evitar uma cadeia causal infinita: foi Deus quem os fez. Ora como Deus é causa incausada, desaguará n’Ele tanta culpa que ficará deprimido e, em breve, teremos um milagre no sistema educativo: a multiplicação da aprendizagem e do sucesso. Talvez...
Eu sou um simples cidadão que procura estar atento. Reparo que em Portugal não há uma universidade incluída na ordenação das 200 melhores (The Times Higher Education Supplement). Será que há maus alunos universitários porque a esmagadora maioria dos professores não é excelente? Não sei, sei que é fácil cair na redução simplista dos problemas complexos porque ou fala a tendência absolutista ou fala o desconhecimento, ou ambos. O resultado é sempre o mesmo: rigor balofo. Admito que houve uma deriva no sistema do ensino para algum facilitismo. Mas isso é uma consequência negativa da necessária democratização. A meu ver, o desafio que se coloca ao sistema educativo português é, em termos gerais, como conservar a democratização do ensino e conquistar a qualidade?
A resposta exige estudo e conhecimento. Pelo que julgo saber – e é pouco como simples cidadão atento – há estudo e conhecimento de como tornar diferente o ensino da matemática e das ciências. O que não há é decisão política. Espero, porém, que não voltemos a soluções já ensaiadas.
Concordo que é necessário tudo quanto aquelas palavras significam conquanto que haja respostas substantivas a questões como:
Onde esteve o êxito generalizado na aprendizagem com a solução dos exames e que antes do 25 de Abril era praticada?
Qual foi a ciência empírica que se organizou sem a conjunção da reflexão crítica e da observação? Daqui decorre perguntar onde esteve e onde está um investimento credível em materiais que permitam o ensino das ciências aos alunos levando-os a cultivar o gosto pela crítica e pela experimentação?
Onde esteve e onde está a formação de professores para um ensino activo e não apenas discursivo, mais propício, à confusão, à perplexidade, à irrelevância conceptual e à transmissão e menos à dúvida (enquanto incerteza entre um número limitado de proposições que se conhecem) à contradição e à exploração?
Poderá o sistema de ensino ignorar a realidade afectivo-emocional que resulta do facto de se conseguir ou não ter êxito académico?
Este tipo de questões é necessário quando se procura compreender a aprendizagem e a sua relação com o ensino. Algumas teorias pedagógicas podem estar erradas, mas uma académica tem a responsabilidade intelectual de as identificar e de as criticar e não apenas rasurá-las com um estalar de dedos. É como se alguém afirmasse a inutilidade da História devido à sua impossibilidade de previsão dos eventos futuros.
O que temos sempre tido é precisamente um ensino mais ou menos preocupado com a excelência nos exames e não com a excelência na compreensão, na dedução, na abstracção das relações possíveis e não apenas das observáveis. A professora ainda esboçou um cenário sem exames, mas, ao condicioná-lo apenas à responsabilização dos alunos e professores e às condições de estabilidade do corpo docente, não explora a dispensabilidade dos exames em virtude de que o êxito no exame não ser necessariamente equivalente a êxito na compreensão.
Por outro lado, creio que os alunos universitários são capazes de pensar e trabalhar. Se a professora tem uma maioria de alunos preguiçosos e sem hábitos de reflexão e trabalho, então tem pela frente o desafio de como ensiná-los a tal. Claro que é mais fácil atribuir externamente a responsabilidade pelos erros e fracassos culpabilizando o ensino secundário. Mas o secundário pode fazer o mesmo, culpabilizando os ciclos anteriores. Estes podem culpabilizar a família. Esta, por sua vez, pode defender-se com a fatalidade do “gene da preguiça”. E quem fez os genes? Bom, para evitar uma cadeia causal infinita: foi Deus quem os fez. Ora como Deus é causa incausada, desaguará n’Ele tanta culpa que ficará deprimido e, em breve, teremos um milagre no sistema educativo: a multiplicação da aprendizagem e do sucesso. Talvez...
Eu sou um simples cidadão que procura estar atento. Reparo que em Portugal não há uma universidade incluída na ordenação das 200 melhores (The Times Higher Education Supplement). Será que há maus alunos universitários porque a esmagadora maioria dos professores não é excelente? Não sei, sei que é fácil cair na redução simplista dos problemas complexos porque ou fala a tendência absolutista ou fala o desconhecimento, ou ambos. O resultado é sempre o mesmo: rigor balofo. Admito que houve uma deriva no sistema do ensino para algum facilitismo. Mas isso é uma consequência negativa da necessária democratização. A meu ver, o desafio que se coloca ao sistema educativo português é, em termos gerais, como conservar a democratização do ensino e conquistar a qualidade?
A resposta exige estudo e conhecimento. Pelo que julgo saber – e é pouco como simples cidadão atento – há estudo e conhecimento de como tornar diferente o ensino da matemática e das ciências. O que não há é decisão política. Espero, porém, que não voltemos a soluções já ensaiadas.
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